Como o manejo agroecológico de quilombolas pode combater o racismo ambiental
Sistema agrícola do quilombo Ribeirão da Mutuca, que busca reconhecimento da FAO como patrimônio global, foi apresentado na COP30
Por estar exposta a preconceitos estruturais e desigualdade social no Brasil, a população negra e indígena sofre os impactos da crise climática em uma proporção maior. Limitar a participação destas comunidades na construção das soluções é uma das formas do racismo ambiental. Na Conferência do Clima (COP30), quilombolas trouxeram experiências de manejo agroecológico como alternativa e ferramenta de combate ao racismo.
Fran Paula, engenheira agrônoma e pesquisadora em sistemas alimentares, presta assistência técnica a comunidades quilombolas de Mato Grosso e coordena o processo de reconhecimento pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO, na sigla em inglês) de um sistema agrícola tradicional adotado no quilombo Ribeirão da Mutuca. O objetivo é reconhecer este sistema agrícola como patrimônio global.
O quilombo, localizado entre os municípios de Nossa Senhora do Livramento (MT) e Poconé (MT), tem mais de 200 anos e produz milho caiano em consórcio com outras culturas, conta com fluxo genético com a troca de sementes entre as comunidades e também atua na conservação da agrobiodiversidade utilizando um manejo ancestral chamado muxirum.
"O processo de reconhecimento pela FAO tem dois produtos, um dossiê técnico e científico que demonstra o funcionamento do sistema e sua contribuição, e a elaboração de um plano de conservação dinâmica desse sistema que contém ações para proteger e salvaguardar essas práticas e territórios", explica Paula.
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Laura Silva, produtora quilombola, e Fran Paula, engenheira agrônoma, durante a COP30 — Foto: Arquivo pessoal
Segundo ela, existem somente dois sistemas agrícolas no Brasil reconhecidos como patrimônio global da FAO, um de quilombolas apanhadores de flores sempre viva em Minas Gerais e, mais recentemente, um de uso e manejo de erva-mate por comunidades tradicionais indígenas no Paraná.
A história do quilombo Ribeirão da Mutuca foi apresentada em um dos debates da Zona Azul, espaço que concentra as discussões centrais da COP30, e a ocupação deste espaço é uma forma de trazer a comunidade quilombola à mesa e combater o racismo ambiental.
"O racismo ambiental no Brasil se estrutura através da violação ambiental a determinados grupos, como comunidades quilombolas e indígenas, que estão sendo mais impactadas com as mudanças climáticas", afirma a pesquisadora à Globo Rural.
"O efeitos da instalação de grandes empreendimentos que geram impactos ambientais, por exemplo, caem sobre essa população, pois são populações que historicamente foram vulnerabilizadas e sofrem ainda com a falta de direitos sociais", acrescentou.
Na avaliação de Paula, o país deu um passo muito importante durante a COP com a Declaração de Belém sobre o combate ao racismo ambiental, que foi assinada no dia 7 de novembro, logo no início da conferência.
A declaração sinaliza o compromisso do Estado brasileiro em adotar ações e políticas públicas que relacionem a justiça racial com a justiça ambiental, para combate do racismo ambiental, para a proteção dos territórios e dos povos indígenas e da população negra, incluindo os territórios quilombolas.
Uma das principais reivindicações é o processo de regularização fundiária, de titularização desses territórios, que somam mais de 7 mil localidades no país, segundo os dados do Censo Quilombola, realizado em 2022.
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Fran Paula, engenheira agrônoma e pesquisadora, presta assistência técnica a comunidades quilombolas de Mato Grosso — Foto: Arquivo pessoal
"São mais de 1,300 milhão pessoas em diversos Estados e que, portanto, precisam ter os seus direitos territoriais garantidos. Com proteção territorial você também, automaticamente, está fazendo conservação ambiental, está promovendo justiça climática e está protegendo o meio ambiente", diz a pesquisadora.
Com isso, a expectativa da comunidade quilombola é que, após a COP30, o Estado brasileiro possa assumir este compromisso e, na prática, efetivar a garantia do combate ao racismo ambiental e valorização dos territórios quilombolas.
Prática ancestral
Laura Silva, produtora quilombola da comunidade Ribeirão da Mutuca, é coordenadora da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) no Estado de Mato Grosso, também integra executiva nacional da Conaq e participou da conferência climática.
"Minha participação na COP foi muito importante porque é um espaço que possibilitou trazer as vozes da população quilombola, onde a gente pode levar um pouco dessa questão dos sistemas agrícolas tradicionais, que é uma prática ancestral, principalmente através dos muxirum", afirma.
Ela ressaltou que essas práticas, além de serem ancestrais, não agridem a natureza e contribuem com a biodiversidade de modo geral.
Fonte. https://globorural.globo.com/cop-30/noticia/2025/11/como-o-manejo-agroecologico-de-quilombolas-pode-combater-o-racismo-ambiental.ghtml
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