Agro defende metodologia mais precisa para calcular impacto do setor no clima
Demanda aparece no posicionamento de entidades setoriais a respeito da COP, mas depende de pesquisas
A falta de métodos de contabilização de emissões de gases de efeito estufa e métricas “adequados” ao perfil da agropecuária tropical e que mostrem a capacidade da atividade de sequestrar carbono da atmosfera é queixa recorrente de entidades do setor no Brasil. A demanda aparece no posicionamento de boa parte das entidades setoriais a respeito da COP 30, mas o desenvolvimento desses cálculos ainda depende do avanço de pesquisas científicas.
A Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja) incluiu a questão entre as mais de 50 propostas de sua carta manifesto para a COP30. A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) pediu à presidência da COP30 que reconheça ações da agricultura tropical no Balanço Global do Acordo de Paris, ou Global Stocktake, processo de avaliação das medidas adotadas pelas nações para diminuir suas emissões.
Um dos principais entraves para que as emissões da agropecuária sejam retratadas de maneira mais próxima ao que o setor considera adequada é a forma como o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) demanda que as nações reportem suas emissões, diz Marcelo Morandi, chefe da Assessoria de Relações Internacionais da Embrapa e membro da delegação de negociadores do Brasil para agricultura na COP30.
Os inventários nacionais seguem um guia do IPCC dividido em cinco categorias: Uso da terra e mudanças do uso da terra e florestas (Lulucf, na sigla em inglês); Agricultura; Processos Industriais e Uso de Produtos; Energia; e Resíduos. Por esse guia, a maior parte das remoções de gases feitas pela agropecuária, como plantio direto ou reduções relacionadas ao uso de biocombustíveis, é contabilizada em outras “caixas”, como Lulucf e Energia, afirma Morandi.
“O guia metodológico do IPCC surgiu a partir de um modelo de economia de clima temperado, mas os países podem propor ajustes que retratem sua realidade, ainda que com limitações”, diz. “Mas o setor tem razão em um ponto, que remoções [de carbono] que o agro faz não são contabilizadas como ações do agro”.
Remoções de carbono provenientes da prática de plantio direto, usada há décadas no Brasil, em que o cultivo ocorre sobre a palha de colheitas anteriores, são contabilizadas na categoria Lulucf, explica Morandi. Emissões evitadas pelo consumo de etanol são contabilizadas na categoria Energia, enquanto remoções feitas por Reservas Legais não são incluídas em nenhuma categoria, diz ele. Poucos itens de remoção são creditados à agropecuária, como os referentes ao menor uso de insumos nitrogenados substituídos por manejo com fixação biológica de nitrogênio.
Braulio Pikman, membro do comitê de metodologia da UNFCCC e diretor da consultoria de sustentabilidade ERM, avalia que qualquer contabilidade que trate de toda a economia pode conter distorções, mas acha difícil que metodologias sejam mudadas por demanda de setores específicos. No caso de atividades de mudança de uso da terra, ele diz que a inserção dessa conta na categoria de agricultura seria prejudicial ao setor, pois boa parte das mudanças de uso da terra refere-se a desmatamento, que em geral reduz o carbono no solo.
Outra demanda do agro é por “fatores de emissão” tropicalizados. Esses fatores são fruto de cálculos que indicam quanto uma determinada atividade emite por volume produzido, e são multiplicados pela produção de um país para se calcular qual o volume de emissões daquela atividade.
O IPCC compila pesquisas sobre os fatores de emissão para orientar os países no cômputo dos inventários nacionais. A última compilação foi em 2019, e há uma nova coleta em andamento. Pela regra da UNFCCC, os países podem utilizar nos inventários nacionais de emissão seus próprios fatores de emissão e, na ausência deles, os fatores compilados pelo IPCC.
Pesquisadores brasileiros já fizeram avanços nos últimos anos na definição de fatores próprios da produção agropecuária nacional, ressalta Eduardo Assad, ex-pesquisador da Embrapa e consultor do observatório de bioeconomia da FGV Agro. Há publicações, por exemplo, sobre o cálculo do fator de emissão da soja brasileira, ao menos cinco fatores para a pecuária do Brasil, para fertilizantes sintéticos, sistemas integrados, sistemas agroflorestais, entre outros. “Já temos muita coisa”, diz Assad.
Apesar disso, Eduardo Bastos, que lidera a área de sustentabilidade da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag) e preside o conselho do Centro de Estudos de Carbono em Agricultura Tropical (CCARBON/USP), defende que é possível ir além. “Precisamos avançar nos fatores por biomas. A pecuária no Pampa é diferente da do Cerrado”, exemplifica.
O desenvolvimento de fatores nacionais pode permitir que o cálculo das emissões para o inventário seja mais apurado, ressalta Pikman. “Para isso, o país precisa investir em pesquisa”, sustenta.
Na busca para dar mais visibilidade às contribuições da agricultura brasileira, uma das principais demandas da CNA para a Presidência da COP30 é a criação de um mandato sobre a agricultura tropical no Acordo de Paris, em paralelo ou em continuidade ao Grupo de Sharm el-Sheikh para a Implementação de Ações Climáticas em Agricultura e Segurança Alimentar (SJWA), criado em 2022 na COP27, diz Nelson Ananias, coordenador de Sustentabilidade da CNA.
Na proposta da CNA, o mandato sobre agricultura tropical integraria a agenda de ação apresentada pela presidência da COP30, voltada ao cumprimento da meta de limitar a alta da temperatura global em 1,5 ºC. “Esse mandato seria o grande gol da COP para nós”, diz. Já para Bastos, da Abag, a COP 30 é uma oportunidade de angariar recursos para as pesquisa existentes.
Fonte. https://globorural.globo.com/cop-30/noticia/2025/11/agro-defende-metodologia-mais-precisa-para-calcular-impacto-do-setor-no-clima.ghtml
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