Herança moderna Legítima, figura do inventariante digital aumenta proteção dos direitos dos falecidos
A figura do inventariante digital, admitida recentemente pelo Superior Tribunal de Justiça para atuar em processos de inventário, é legítima e necessária para a incrementação do devido processo legal e a proteção dos direitos de personalidade das pessoas falecidas.
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Inventariante digital tem a função de avaliar arquivos deixados pelo falecido e decidir o que tem caráter patrimonial
A conclusão é de advogados consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico sobre o julgamento recente da 3ª Turma do STJ sobre o tema. A inovação foi proposta pela ministra Nancy Andrighi e aprovada por maioria de votos.
O inventariante digital, na verdade, é um perito responsável por extrair dados de dispositivos eletrônicos dos falecidos. A ele caberá separar o que tem valor patrimonial, para ser inventariado, e o que é informação personalíssima, a qual não será transmitida.
Ficou vencido no julgamento o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, que apontou a falta de base legal para diferenciar tais bens. Para ele, a lógica dos bens analógicos deve prevalecer: todo o acervo é transmitido aos herdeiros, a quem cabe zelar pelo direito da personalidade dos falecidos.
Inventariante digital
Na opinião do professor Marcelo Mazzola, a figura do inventariante digital ganha importância porque é necessário repensar a lógica de transmissão automática de todos os bens do falecido. Assim, ela incrementa o devido processo legal e assegura maior proteção à privacidade.
“A revolução digital trouxe uma nova categoria de bens, destacando-se, por exemplo, criptomoedas, tokens não fungíveis, avatares, contas em redes sociais, milhagens aéreas e mensagens privadas. Essa transformação tecnológica justifica a mitigação do princípio da saisine. Diante da inexistência de normas específicas sobre o tema, compete ao Judiciário garantir a tutela jurisdicional adequada, agindo de modo criativo.”
O princípio da saisine estabelece que, no caso de morte de uma pessoa, a herança é transmitida imediatamente aos seus herdeiros legítimos e testamentários. Segundo Aracy Barbara, do escritório VBD Advogados, esse acesso irrestrito no caso dos bens digitais ampliaria muito as possibilidades de violação da memória e da dignidade no pós-morte.
Por isso, ela defende a diferenciação entre as heranças digital e analógica, como feita pelo STJ. “Embora uma carta física e uma mensagem em aplicativo de conversa possam se assemelhar pelo conteúdo, existe uma clara diferenciação quando a mensagem é enviada por um dispositivo digital, o qual armazena não apenas a troca dos textos, mas também fotos, senhas, contratos, dados médicos.”
Patrimonial ou existencial
Para Felipe Russomanno, sócio do Cescon Barrieu, o inventariante digital é necessário para os casos em que houver divergência sobre a natureza patrimonial de determinado bem, já que os existenciais não se transmitem e não geram interesse em serem examinados.
“Em se tratando de incidente judicial, deve ser facultado o amplo acesso aos documentos, como corolário do princípio da ampla defesa e do contraditório, uma vez que as considerações do inventariante digital não podem ser tomadas como inquestionáveis e absolutas.”
Ele levanta a hipótese, inclusive, de que as partes nomeiem assistentes técnicos para acompanhar a perícia. “Precisaremos de tempo para entender como, na prática, ocorrerá a atuação do inventariante judicial e o acesso das partes à sua avaliação.”
Já Bruno Batista, sócio da banca Innocenti Advogados, destaca que a decisão do STJ não criou qualquer restrição de acesso aos herdeiros que já não existisse na Constituição Federal. Assim, a medida é importante para estabelecer como devem ser averiguados os bens de natureza virtual, pela figura de um inventariante apto e isento para executar a tarefa.
“Possibilitar que os herdeiros acessem esse conteúdo violaria os direitos à intimidade, ainda que por sigilo, porque o simples acesso pelo herdeiro equivale à violação. Então não há um ativismo judicial imposto no voto da relatora, há uma indicação de método para evitar que informações particulares e íntimas sejam disseminadas.”
Insegurança e litígio
Rodrigo Forlani Lopes, do Machado Associados, tem opinião mais crítica sobre a conclusão da 3ª Turma do STJ. O advogado acredita que ela gera dificuldade ao transferir a um terceiro a tarefa de separar o que pode ou não ser transmitido, sem critérios claros, criando insegurança e a tendência de ampliar as disputas judiciais.
“Bens digitais que tenham valor patrimonial podem ser tratados como bens analógicos, transmissíveis sem dificuldade. Já os de natureza existencial se enquadram na regra do Código Civil de que direitos personalíssimos são intransmissíveis. O desafio é que não há critério objetivo para definir quando uma foto, um perfil ou uma mensagem deixa de ter valor apenas pessoal e passa a ter valor patrimonial.”
“A decisão do STJ, ao criar um inventariante especial para arbitrar essa fronteira, acabou inovando sem base legal e conferindo a terceiros uma tarefa subjetiva. Essa solução não pacifica, mas potencializa o conflito”, concluiu Lopes.
REsp 2.124.424
Fonte. https://www.conjur.com.br/2025-set-16/legitima-figura-do-inventariante-digital-aumenta-protecao-dos-direitos-dos-falecidos/
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