Rigor sobre tabela do frete liga alerta no agro
Fiscalização eletrônica escancara que muitas empresas vinham ignorando preços mínimos
No dia 6 de outubro, entrou em vigor a fiscalização eletrônica da tabela de piso mínimo do frete rodoviário, mudança que escancarou uma prática bastante conhecida, mas, até o início deste mês, tolerada: a de ignorar a tabela. Isso significa que grande parte das empresas brasileiras operou fora da lei desde 2018, ano de publicação da lei que criou a tabela de frete mínimo.
No agronegócio, a prática era mais comum na entressafra, quando os preços do frete caem. Mas, agora, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) passou a cruzar dados em tempo real por meio do Manifesto Eletrônico de Documentos Fiscais (MDF-e) e tornar visíveis irregularidades. Entidades e empresas do setor dizem que não descumpriam a lei. Em vez disso, argumentam que têm discordâncias sobre a tabela, que não foram consultadas para falar sobre as divergências e que agora temem que a mudança cause impactos na logística e nos custos e crise insegurança jurídica, especialmente na movimentação de grãos e fertilizantes.
A tabela de frete mínimo nasceu com a publicação da Lei 13.703/2018, promulgada após a greve dos caminhoneiros daquele ano. A elaboração da regra contou com auxílio do Grupo de Pesquisa e Extensão em Logística Agroindustrial (EsalqLog/USP), ficando sob responsabilidade da ANTT a definição e a atualização dos valores.
Ocorre, que desde então, Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) passaram a questionar a legalidade da tabela e ainda não foram julgadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF). “Na prática, como há poucos agentes para fiscalizar, o mercado operava sob oferta e demanda”, diz Fernando Bastiani, pesquisador do Esalq-Log e um dos integrantes do grupo que atuou na elaboração da tabela.
Ele diz que, em 2025, os preços de frete ficaram acima do piso durante a safra. No entanto, na entressafra e em rotas longas, como as que ligam Mato Grosso a Santos (SP) ou Paranaguá (PR), os valores muitas vezes não respeitavam a lei. “Empresas começaram a se adequar agora, e vemos que o mercado está um pouco paralisado”, contou.
A Fretebras, plataforma de transporte de cargas, atesta o quadro. Segundo Federico Veja, o principal executivo da empresa, nas últimas semanas, demanda por embarcadores caiu 20%, enquanto a oferta de caminhoneiros aumentou 20%. “A tabela cria um piso real para o transporte. Isso é bom para caminhoneiros, mas pressiona o custo final de commodities como a soja”, afirmou ele.
Agro contesta metodologia
Entidades de representação do agronegócio têm outra visão. Em ofício enviado à Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), 50 delas pedem ajuda para uma revisão da metodologia da tabela e solicitam à bancada que procure os ministérios da Agricultura, Transportes, Fazenda e a Casa Civil para abrir diálogo técnico sobre o tema.
Segundo o documento, os critérios de cálculo do piso mínimo são imprecisos e desatualizados. As entidades alegam que a metodologia vigente não reflete as condições reais do mercado e ignora fatores como a diversidade de cargas e rotas, as diferenças regionais e a idade média avançada da frota de caminhões no país, que é, estima-se, de 20 anos.
No segmento de fertilizantes, um dos mais afetados, o aumento de custos deve ser de 35% a 50%, a depender da rota, argumenta o Sindicato da Indústria de Adubos e Corretivos Agrícolas (Sindiadubos). “A nova precificação dos fretes causará distorções não apenas no preço do serviço, mas também no dos alimentos”, disse o gerente executivo da entidade, Veríssimo Cubas.
O setor de fertilizantes movimenta cargas de grande volume no sentido fábrica-fazenda, mas muitas vezes o caminhão retorna vazio ao ponto de origem ou com cargas de valor menor. Com a tabela da ANTT, seria necessário calcular o frete para os dois trechos.
No mercado de grãos, a tabela estimulou o uso de caminhões maiores, de nove eixos, em detrimento dos menores. Isso porque, na tabela, eles têm um preço proporcionalmente menor do que os veículos como sete eixos ou menos. “Isso distorce o mercado e faz faltar caminhões grandes”, comenta Bastiani.
Andressa Silva, diretora executiva da Associação Brasileira da Indústria de Arroz (Abiarroz), concorda. “Para o arroz, fretes de caminhões menores podem representar até 25% do produto transportado”, diz.
Ela afirma que seus associados reclamam não apenas dos preços definidos na lei, mas também do preenchimento da MDF-e. “Muitos dos meus clientes serão multados por desconhecimento”, afirmou.
Do lado dos caminhoneiros, Wallace Landim, o Chorão, presidente da Associação dos Condutores de Veículos Autônomos (Abrava), disse que tradings e embarcadores de grãos têm boicotado motoristas autônomos de veículos menores. “São empresas que trabalhavam errado e agora têm cancelado os contratos com os caminhoneiros para pressionar. Recebi várias ligações do pessoal do Centro-Oeste”, relatou.
Posição da ANTT
A ANTT disse à reportagem que interage com os operadores de transporte e responde a dúvidas. Também lembra ter promovido o 1 Encontro Nacional do Transporte Rodoviário de Cargas, em 2 de outubro, para sanar dúvidas.
Sobre o aumento de multas, a ANTT afirmou que “os números são recentes e ainda estão sendo consolidados pela área responsável”. As penalidades por descumprimento da tabela vão de R$ 550 a R$ 10,5 mil para embarcadores e transportadores. Os caminhoneiros não são penalizados.
Fonte. https://globorural.globo.com/especiais/caminhos-da-safra/noticia/2025/10/rigor-sobre-tabela-do-frete-liga-alerta-no-agro.ghtml
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