Moratória da Soja tira renda e competitividade do agricultor, aponta relatório
Gesner Oliveira, ex-presidente do Cade, emitiu parecer sobre o assunto, que passará por nova avaliação pelo órgão de defesa da concorrência no dia 30
Concebida como um pacto socioambiental para diminuir o desmatamento, a Moratória da Soja gera efeitos econômicos substanciais para os produtores rurais, com impactos na rentabilidade da atividade e na perda de competitividade. Essa é a avaliação de Gesner Oliveira, consultor e ex-presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
Oliveira afirma que o acordo privado - que estabelece a recusa de aquisição de soja produzida em áreas desmatadas da Amazônia após julho de 2008, mesmo que de forma legal - cria uma restrição artificial ao mercado e concentra poder de compra das grandes tradings signatárias, com posição dominante na formação de preços e nas condições de comercialização para os produtores locais.
A análise da GO Associados, empresa de Oliveira, foi apresentada ao Cade pela Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja-MT) nessa semana. Na próxima terça-feira (30/9), o órgão antitruste vai julgar recursos apresentados pelas tradings contra a decisão preventiva que suspendeu o acordo.
Agricultores pressionam pela extinção da Moratória. Já a indústria tenta se livrar da acusação de formação de cartel e propõe um entendimento sobre a atuação futura nesse mercado. A reportagem procurou a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), que representa as tradings. A entidade não se manifestou.
Gesner Oliveira ressaltou no seu parecer que há riscos de coordenação entre as tradings, devido à concentração de mercado – as empresas detêm cerca de 90% da comercialização do grão – e pela troca de informações que seriam sensíveis dos agricultores e da produção entre elas.
Na decisão preventiva, a Superintendência-Geral do Cade já havia sinalizado que essa prática foi considerada capaz de alinhar condutas e reduzir a autonomia estratégica das empresas.
Para Oliveira, em vez de servir como instrumento de governança ambiental, a Moratória da Soja “tem potencial mecanismo de distorção econômica, o que pode gerar impactos relevantes sobre a concorrência, o equilíbrio de mercado e o bem-estar social”.
Ele ressaltou que, para evitar efeitos anticoncorrenciais, seria necessário aplicar ferramentas de governança capazes de garantir “independência e transparência, assegurando o estrito respeito à legislação vigente”.
Moratória da Soja x Código Florestal
A aplicação de regras acima do Código Florestal é a principal reclamação dos produtores rurais afetados pela Moratória, criada em 2006. A área de monitoramento do plantio de soja se restringe a 116 municípios com mais de 5 mil hectares de cultivo do grão em Mato Grosso, Pará, Rondônia, Amazonas, Maranhão, Tocantins, Roraima e Amapá.
O parecer da GO Associados apontou também que os produtores rurais excluídos do mercado pelas exigências da moratória acabaram “forçados” a negociar com pequenas distribuidoras ou intermediários, o que resultou em preços significativamente inferiores aos praticados no mercado formal.
“Esse efeito leva à concentração do poder de barganha nos compradores e gera um "mark-down" (preços inferiores) sobre os preços pagos aos fornecedores, comprometendo a renda agrícola e a sustentabilidade econômica dos produtores”, opinou.
A estimativa da Aprosoja-MT é de que o impacto econômico anual para o Estado chegue a R$ 20 bilhões.
No parecer, o ex-presidente do Cade avaliou a concentração da atividade de compra da soja em poucas tradings na região. Segundo ele, isso confere um poder significativo às empresas de estabelecerem unilateralmente padrões socioambientais e definir as condições de elegibilidade para os produtores.
Na avaliação de Oliveira, a situação pode gerar restrições competitivas, especialmente para pequenos e médios agricultores.
Gesner Oliveira, da GO Associados: "Concentração (das tradings) levanta riscos de cartelização tácita e pressões econômicas sobre produtores” — Foto: Valor
“Esse deslocamento de poder resulta em assimetrias importantes, restringindo o acesso de determinados produtores aos mercados formais e impactando negativamente sua capacidade de negociação, investimento e planejamento produtivo”, disse no relatório.
Em 20 municípios da Amazônia Legal analisados, as tradings signatárias da Moratória da Soja tiveram de 69% a 100% do market share da venda do grão em 2022, uma concentração de mercado “extremamente elevada”, disse Oliveira.
“Esse padrão evidencia não apenas o poder de mercado das grandes tradings sobre produtores amazônicos, mas também a centralização da capacidade de acesso ao mercado internacional”, afirmou. “Essa concentração levanta riscos de cartelização tácita e pressões econômicas sobre produtores”, acrescentou.
O parecer também analisou a elasticidade-preço da demanda da soja, que mede o quanto a quantidade demandada varia em resposta a alterações no preço. Em mercados com demanda inelástica, como o da soja, uma pequena redução na oferta resulta em aumentos expressivos nos preços.
Essa característica, aponta Oliveira, “amplifica choques de oferta e evidencia como a exclusão de parte dos produtores da cadeia formal de comercialização transfere renda para as tradings e aprofunda distorções concorrenciais”.
Em um exemplo, ele mostrou que, dada a baixa elasticidade-preço, uma redução de 5% na oferta de soja provocada pela exclusão de áreas em desacordo com a Moratória pode elevar o preço da saca vendida pelas tradings em até 16,7%, enquanto os produtores impedidos de comercializar com essas empresas teriam que entregar a mercadoria com deságio.
Na avaliação dele, o cenário permite controle de preço privado pelos distribuidores de commodities e resulta em perdas diretas aos agricultores em comparação ao preço original.
“Esse mecanismo aprofunda desigualdades e gera distorções impactantes. A exclusão arbitrária de produtores em conformidade com o Código Florestal transfere renda para as tradings signatárias da Moratória que concentram o acesso ao mercado internacional. A inelasticidade da demanda, ao amplificar os efeitos de choques na oferta, intensifica o impacto negativo sobre a renda dos produtores excluídos”, disse o ex-presidente do Cade, no parecer.
Fonte. https://globorural.globo.com/economia/noticia/2025/09/moratoria-da-soja-tira-renda-e-competitividade-do-agricultor-aponta-relatorio.ghtml
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