A tese vinculante do Superior Tribunal de Justiça sobre a impossibilidade de exasperar a pena-base dos condenados por tráfico de drogas que foram pegos com quantidade ínfima de entorpecentes poderia ter impacto muito maior se oferecesse parâmetros de enquadramento.
Em julgamento em agosto, a 3ª Seção se limitou a definir que essa majoração é desproporcional quando a droga apreendida for de ínfima quantidade, independentemente de sua natureza.
O tema envolve a aplicação do artigo 42 da Lei de Drogas. A norma diz que, ao fixar as penas, o juiz considerará a natureza e a quantidade da substância com preponderância sobre critérios como culpabilidade, motivos e outros previstos no artigo 59 do Código Penal.
O STJ confirmou a posição de que natureza e quantidade devem ser analisadas em conjunto. Não se pode aumentar a pena-base só porque determinado entorpecente é mais nocivo do que outro, sem considerar a quantidade apreendida.
O problema é que não se sabe qual quantidade deve ser considerada para permitir esse aumento. A tese cita “quantidade ínfima”, mas a jurisprudência do STJ indica que “pequenas quantidades” ou “quantidades não-relevantes” também impedem a exasperação.
E sem definir quais são esses montantes ou oferecer parâmetros de identificação, o STJ deixa uma ampla margem de interpretação que é exercida pela própria corte.
Um exemplo foi citado durante o julgamento: no REsp 2.069.864, a 5ª Turma do STJ considerou que os 820 g de maconha apreendidos não extrapolam o tipo penal e, portanto, não justificam a majoração da pena-base.
A benevolência é maior com maconha — não são incomuns as decisões monocráticas afastando aumento da pena-base pela apreensão de até 300 g dessa droga —, mas há registros com variados pesos de cocaína, crack, ecstasy e outros.
STJ não definiu parâmetros para tese e deixou intepretação aberta para juízes e tribunais
O que é quantidade ínfima?
A problemática foi apresentada no voto divergente do ministro Messod Azulay, que foi contra a fixação de qualquer tese. Para ele, o conceito vago de “quantidade ínfima” traz uma multiplicidade de interpretações, o que faz com que o julgamento não cumpra seu propósito.
Se a quantidade apreendida for próxima de zero, então a natureza do entorpecente realmente não fará diferença. Mas quando os valores são maiores, surge uma relação inversamente proporcional.
Quanto mais nociva a droga, menor quantidade é necessária para causar danos, situação que implica em maior culpabilidade e pode justificar a exasperação da pena-base. Esse é o ponto que segue indefinido.
“Abstratamente e no limite, a tese está correta. Mas, do ponto de vista da sistemática de aplicação, entendo insuperável problema da definição da ínfima quantidade. E tenho dúvida se seria papel do STJ estabelecer, para além da lei, esse quantitativo”, disse.
A argumentação não sensibilizou os colegas. O ministro Ribeiro Dantas disse que a tese, como feita, permite que cada juiz, ao analisar o caso concreto, tenha um norte para decidir. “Não é uma régua exata e milimétrica.”
“O termo ‘ínfimo’ é diferente do termo ‘pequeno’. Ele já denota que trata-se de quantidade irrisória. É algo muito pequeno. Isso dá um norte para haver uma definição”, concordou o desembargador convocado Otávio de Almeida Toledo.
Critério possível
Para o defensor público Saulo Lamartine Macedo, o STJ poderia ter definido o que é quantidade ínfima. Ele participou do julgamento representando o Grupo de Atuação Estratégica das Defensorias Públicas nos Tribunais Superiores (Gaets) na condição de amicus curiae (amigo da corte).
O defensor de Sergipe propôs o critério admitido pela suprema corte da Espanha: quantidade ínfima é aquela que representa dez dias de uso. Já a quantidade moderada é a que representa 25 dias. Em ambos, não se permite exasperação da pena-base.
A definição de qual seria a quantidade diária de uso seria feita de forma científica, com base em pesquisas por órgãos como o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) para cada droga. Saulo destaca o impacto de se avançar sobre esse ponto.
“Quase 70% dos presos estão lá por crimes relacionados ao tráfico. Ao se afastar a exasperação da pena-base, pessoas que estão no regime fechado estariam no aberto ou semiaberto. Isso reduziria o impacto no encarceramento, além de gerar padronização e segurança jurídica.”
Em vez disso, a prática mais comum nos juízos de primeiro grau é majorar a pena com base em qualquer quantidade. “Essa falta de definição acaba aumentando o número de recursos e Habeas Corpus aos tribunais superiores”, afirma.
Tráfico exige alguma quantidade
Segundo o advogado e pesquisador David Metzker, a maioria das decisões concessivas de Habeas Corpus no STJ que envolve a questão da quantidade de drogas se dá para apreensões até 50g.
Em sua opinião, faltou ao STJ esclarecer que a exasperação da pena-base pela aplicação do artigo 42 da Lei de Drogas exige que a quantidade apreendida fuja do que se pode considerar normal para um caso de tráfico.
Isso porque a própria corte tem posição pacificada indicando que só há crime se houver a efetiva apreensão de drogas. É o que permite que o material seja periciado para averiguar se realmente trata-se de substância proibida.
“Se, para o crime de tráfico, é necessário que haja a apreensão de alguma quantidade, isso por si só vai gerar a exasperação da pena-base? A apreensão foge da normalidade? Isso que a tese deveria ter abordado”, opina.
Tese aprovada pelo STJ
Na análise das vetoriais de natureza e quantidade da substância entorpecente prevista no artigo 42 da Lei 11.343/2006, configura-se desproporcional a majoração da pena-base quando a droga apreendida for de ínfima quantidade, independentemente de sua natureza.
REsp 2.003.735
REsp 2.004.455
Fonte. https://www.conjur.com.br/2025-set-03/sem-definir-quantidade-infima-para-drogas-tese-do-stj-perde-potencial-de-impacto/
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